RO, Terça-feira, 23 de abril de 2024, às 20:58



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Política & Murupi – Leo Ladeia

Leo Ladeia

PORTO VELHO – Olimpíadas, superação, pódio, ouro e como é bom falar de Rebeca e de outra garotinha a Rayssa Leal, ambas medalhistas em Tóquio e além das óbvias e áureas razões, uma em chama a atenção. As famílias das duas fazem parte do cadastro de beneficiários dos serviços sociais do governo. Que coisa. Rebeca e Rayssa saíram da base da pirâmide social, vivendo do que alguns preferem chamar de assistencialismo para quebrar o ciclo da miséria, subir os degraus alcançar o topo da pirâmide. Que coisa incrível a subida meteórica com seus voos, uma nos aparelhos de ginástica, a outra sobre o skate. Ambas vencendo principalmente a lei da gravidade e livrando-se das amarras sociais que as puxavam para baixo e por mais estranho que isso possa parecer, vencendo.

A família de Rayssa recebia o Bolsa Família. Já Rebeca iniciou seu treinamento num programa para crianças carentes da prefeitura de Guarulhos São Paulo. Sua história é marcada como a de muitos jovens da periferia, com a privação diária. A mãe de Rebeca, domestica, mantinha a casa e os filhos vivendo numa penúria enorme e não raro lhe faltava o dinheiro para pagar o transporte para que a filha fosse ao treino, assim como faltava para as roupas do dia a dia o equipamento para o treino e até para a comida, algo essencial para quem pratica esportes de alta performance. Mas o ouro da medalha supera o passado e nos leva a pensar sobre outro prisma.

© Reuters/Lindsey Wasson/Direitos Reservados

Os programas sociais que são aplicados na base e dos quais usufruíram Rebeca e Raissa têm o potencial de quebrar o ciclo do impossível e abrir espaço para inserir o possível: desiguais em pé de igualdade na saída. Importa para a competição que os competidores estejam ali, juntos no momento da largada e a partir daí o talento, o dom e a gana de vencer fazem o restante e aí vence o melhor independente da origem, ou s condições sociais, econômicas, culturais e financeiras. Com o ouro no peito a entrevista pode ser dada em português com sotaques regionais e fica bonito de se ouvir.

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“Deem-me uma alavanca e o ponto de apoio e eu moverei o mundo” ensinou Arquimedes 200 anos a.C. Programas assistenciais de transferência de renda não são muletas, arreios ou próteses. São os pontos, cunhas e alavancas de que falava Arquimedes para propiciar movimentos impensáveis.  O instrumento para promover a melhoria assistencial que gera um círculo virtuoso, o Bolsa Família, será ampliado e creio que tenha a ver com a pandemia, além claro, das eleições que batem à porta. Afinal todo pobre vota e se tiver dinheiro na mão vindo do governo, votará favorável ao governo. Convenhamos, o auxílio emergencial pago durante a pandemia contribuiu para a estabilização da economia e a gama de vulnerabilidades ficaram muito à mostra acendendo as luzes de alerta geral e trazendo a consciência para os governantes de que é absolutamente necessário ter programas de transferências de renda. Pena que pouco das demandas da criança – por exemplo a necessidade de aprender – tenham sido contempladas. De repente o ensino tornou-se híbrido somando-se à fome, desemprego e abandono do vulnerável.

É certo que apenas aumentando o valor do Bolsa Família, o Brasil dará um salto enorme, mas não escapará da tragédia social. O fosso é grande e reformas como a política, administrativa e tributária precisam ser feitas de imediato, ontem, para que mais Rebecas e Rayssas possam surgir sem precisarem da ajuda do estado. É preciso lembrarmo-nos sempre que há um universo de crianças pobres fora do Bolsa Família ou que nem mesmo recebem outro benefício ou sequer frequentam a escola. Todas estão muito atrás dos que tiveram a sorte de nascer noutro ponto ou noutra família. Na olimpíada da vida real há nada de tênis caros, treinos, alimentação adequada, cuidados médicos ou roupas apropriadas. As crianças invisíveis que usam roupas de segunda mão, só possuem a fome e a vontade de lutar contra todas as probabilidades. Às vezes dá certo como no caso da Rebeca e da Rayssa, mas convenhamos, sem a ajuda para indispensável, para matar a fome, é muito difícil.

Não se trata de assistencialismo, trata-se de construir um pais mais justo ou melhor, menos injusto. Não se trata só do esporte porque esse aparece na TV onde é visto e emociona. É muito mais que isso. O Brasil tem um potencial oculto de futuros professores, médicos, engenheiros, cientistas e políticos que sobrevivem perdidos por aí, nos becos, grotões, favelas, ruas, driblando a fome, o preconceito, a invisibilidade e sonhando como sonharam um dia Rebeca e Rayssa.

É preciso acolher e proteger nossas crianças que não escolheram seu destino. Somos responsáveis por elas. Devemos dar a todas a oportunidade de estarem juntas no mesmo ponto da largada para competirem juntas pela vida. A partir daí, o talento vai dizer quem conquista o pódio.






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