RO, Quinta-feira, 25 de abril de 2024, às 0:28



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Juntos e shallow now – (A máscara)

William Haverly Martins

PORTO VELHO – Desde a infância que sou fascinado por máscaras, elas faziam parte, em preto e branco, da área fabulativa de meu cérebro, viciado em gibis, destaque para os quadrinhos de faroeste: era um apaixonado pelo Cavaleiro Negro, um justiceiro mascarado que se vestia de preto, usava chapéu preto de caubói e uma máscara negra que cobria todo o rosto, menos os olhos, portava, na cintura, cartucheira preta, com dois revólveres prateados, montava um exuberante cavalo negro e fazia justiça com as próprias mãos, realçando a ingenuidade e atiçando a alegria da garotada da época.

Afora os heróis, especialmente o de negro, apenas bandidos de banco usavam máscaras. Atualmente sinto falta de um justiceiro mascarado – ah minhas utopias –, que fosse capaz de eliminar o inimigo virótico com uma bala de prata, calibre 38. Infelizmente já não se imagina justiceiro como antigamente, e falta charme ao vilão roliço, sem face e sem vida, que rouba o vigor das células alheias, atende pelo nome de coronavírus, foi alcunhado, na delegacia de crimes contra a vida, por Covid-19 e faz parte de cartazes impressos, afixados nas paredes dos hospitais e laboratórios deste mundão de nosso senhor Jesus Cristo.

Os mascarados de hoje, estão em toda parte!!! A máscara adquiriu novo significado, agora ela nos protege de um pilantra invisível e nos lembra o rol de atividades proibidas, na rua, no supermercado e até na farmácia. Estamos sob o império do distanciamento. Simplesmente rasgaram nosso Contrato Social, sequer podemos abraçar o outro, apertar as mãos, muito menos conversar olho no olho. Beijar o rosto ou os lábios é um crime ainda mais grave.

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Se por um lado as máscaras aterrorizam, lembrando quem estamos evitando ou de quem estamos fugindo, por outro, elas acrescentam um novo tempero à estética visual do dia-a-dia. Fiquei encantado com os novos designs e o colorido das estampas das máscaras, usadas por frequentadores de um supermercado, entrei em transe: meu cérebro começou a girar em sentido anti-horário, levando-me ao passado, como se aquele ambiente tivesse o poder de máquina do tempo, interferindo nos guardados da minha memória, inclusive textos e imagens antigos, ficcionais ou não, juntos e shallow now,  como se várias encarnações fizessem parte da minha história de vida, resgatando da profundidade a minha superfície. Inúmeras superfícies de um mesmo lugar me conduziram ao mundo das máscaras, dos bailes, rituais, folguedos e ao interior de muitas estórias em quadrinhos dos justiceiros mascarados da minha infância/adolescência.

Presentes na história da humanidade desde épocas muito remotas, as máscaras divinizam, encantam, atemorizam, disfarçam, distinguem justiceiros ficcionais, como Zorro, Fantasma, Cavaleiro Negro, Homem Aranha, Águia Negra e tantos outros personagens, que encantaram os meus gibis, solidificando os conceitos juvenis de justiça.

Nas histórias em quadrinhos de antanho, os artigos dos códigos comportamentais vinham das entranhas da convivência, eram mais rígidos, quase que extraídos da justiça divina, o bem sempre vencia, muito diferente dos dias atuais, onde o capital e o mau caratismo quase sempre têm voz e vez, envergonhando os bons juízes.

O povo árabe foi o primeiro a usar a palavra maskhara como significado de farsante, daí “mascarado”, para definir uma pessoa que finge ser o que não é. Há registros de pinturas rupestres, onde aparecem caçadores mascarados com cabeças de animais. Presume-se que a máscara já protagonizou, há mais de dez mil anos, rituais mágicos e foi catalisadora de forças misteriosas.

Na cultura africana ela faz parte do conjunto da indumentária que cobre o dançarino, com o poder transfigurador de unir o homem à energia extra-humana, ao mundo sagrado, e está intimamente ligada à dança e ao ritmo. Os indígenas/pajés brasileiros, (sacerdotes/curandeiros) também usam máscaras para evocar o universo dos espíritos.

No Brasil, elas estão presentes em vários rituais folclóricos, como a Cavalhada, Folia de Reis, Bumba meu Boi e, com mais sucesso, no Carnaval, embora a tradição das máscaras de carnaval venha de outro lugar, de outra época: Veneza, Itália! Antigamente, os moradores faziam festas para o deus Baco e a deusa Saturno. Hoje, a festa italiana evoluiu, sofreu modificações.

Os Bailes de Máscaras das grandes cidades brasileiras, principalmente os do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, marcaram época em inúmeros carnavais, presença vistosa das capas das revistas Cruzeiro e Manchete, ao longo dos anos. Também aqui as festas carnavalescas evoluíram…

Evidente que elas já foram usadas com várias finalidades, inclusive no teatro antigo, praticado na Grécia, Japão, etc., mas é a natureza transformadora que a caracteriza, você passa a ser outro ser, a máscara despe uma personalidade e reveste outra, por isso é tão importante em diversas culturas.

Na minha adolescência, no interior da Bahia, a segunda feira de carnaval era chamada de Dia dos Mascarados: grupos de jovens saíam às ruas, irreconhecíveis, tocando instrumentos caseiros e cantando marchinhas carnavalescas. À noite, nos clubes, havia o Baile das Máscaras.

Era legal, vestir a pele de outro, não ser reconhecido por ninguém. O disfarce duplicava a coragem e as ações. A gente se aproveitava do anonimato, para beijar as meninas no rosto e sair correndo, incitando nelas o gostinho da curiosidade: – quem será aquele mascarado que me beijou? Eu conheço aqueles olhos!!!… Esta brincadeira, algumas vezes, evoluía para namoros e até casamentos. Tempo bom!!!

As máscaras preventivas contemporâneas, no teatro da vida, são apenas um alerta à expectativa, ao medo da morte prematura, não transmudam a nossa personalidade, muito menos nosso vigor corporal, como também não apagam o desejo vivo de continuar na superfície da existência, aguardando o novo normal: covas prematuras?! never more, juntos e shallow now!

Ainda que poético, percebo, não muito distante, a mudança do status da imunidade deste vazio, me vejo dançando, mascarado, entre confetes e serpentinas, anônimo, em meio a colombinas, pierrôs, arlequins e odaliscas, inebriado, sob o efeito sonoro de marchinhas carnavalescas, carregando em baixo do braço um tubo spray de vacina, feito um lança perfume dos carnavais de outrora:

Bandeira branca, amor    

Não posso mais

Pela saudade

Que me invade                   

Eu peço paz

(Bandeira branca – Composição: Laercio Alves / Max Nunes)

Foi bom te ver outra vez

Tá fazendo um ano,

Foi no carnaval que passou,

Eu sou aquele Pierrô,

Que te abraçou,

E te beijou, meu amor,

Na mesma máscara negra

Que esconde teu rosto

Eu quero matar a saudade.

(Máscara negra – composição: Zé Keti e Pereira Matos)






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