RO, Quinta-feira, 25 de abril de 2024, às 7:41



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Guerra do Corona: MP vai a Justiça pedir manutenção do decreto de calamidade, juiz nega; “Justiça não pode invadir competência do governador”

PORTO VELHO – A luta pelo fim do isolamento social e a flexibilização das regras do Decreto Estadual que paralisou quase todas as atividades econômicas em Rondônia caminha para uma guerra de liminares. De um lado, governador, prefeitos, deputados estaduais e alguns vereadores são pressionados pelo setor produtivo e por segmentos de trabalhadores autônomos a liberar geral todas as atividades. De outro, o Ministério Público, parte do Judiciário e a classe médica avisando que as coisas podem sair do controle nos próximos dias se não forem mantidas as regras do decreto de Estado de calamidade e emergência em Rondônia.

Depois de averter o prefeito de Ariquemes, que permitiu a reabertura de várias atividades na cidade, sobre os riscos de sua decisão, o Ministério Público vem alertando que para a flexibilização acontecer primeiro o Poder público precisa dotar as unidades de saúde de equipamentos e suprimentos destinados ao combate ao coronavírus, o MP entrou, na noite deste sábado, 4, com uma Ação Civil Pública no plantão da Justiça Estadual, pugnando pela suspensão do novo decreto editado pelo Governador Marcos Rocha, permitindo a retomada de várias atividades empresariais.

Como o poder de discricionariedade no Judiciário é algo latente, o juiz plantonista do Tribunal de Justiça de Rondônia, Jorge Luiz dos Santos Leal, indeferiu o pedido do Ministério Público de Rondônia para que seja prorrogado o decreto de calamidade pública para conter o avanço da pandemia do novo coronavírus no estado.

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A Ação Civil Pública requer a prorrogação por mais 15 dias para o decreto de calamidade pública, feito pelo Governo de Rondônia, cujo prazo se expirava neste sábado.

Ao analisar os fatos Jorge Leal destacou que não cabe ao Poder Judiciário invadir a competência do Poder Executivo de regulamentar leis, substituir ou ampliar o prazo de validade do decreto.

O magistrado anotou que o caso em exame “não é matéria simples que possa ser analisada e resolvida pelo magistrado de plantão em poucas horas, sem o auxílio de profissionais amplamente capacitados ou mesmo sem os dados necessários para apurar a efetiva necessidade das medidas requeridas pelo MP”.

ARGUMENTO DO MP

O Ministério público justificou em seus argumentos que o Estado prorrogou o decreto por “pressão do comércio e alinhamento ideológico com o Presidente da República”.

Ainda segundo o pedido do MP, a expiração da validade das medidas de restrição e isolamento social previstas no decreto de calamidade pública estabeleceriam um vácuo legislativo, autorizando o funcionamento de serviços não essenciais e do comércio em geral, eventos e reuniões. Situações onde a população ficaria completamente desprotegida em face da pandemia do novo coronavírus, contrariando às recomendações das autoridades sanitárias.

Assim, pelo que se deduz da decisão judicial, fica encerrada a quarentena.

Veja abaixo a decisão do juiz na íntegra.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RONDÔNIA
PODER JUDICIÁRIO
Porto Velho – 1ª Vara de Fazenda Pública
Ação Civil Pública Cível

POLO ATIVO
AUTOR: MINISTÉRIO PUBLICO DO ESTADO DE RONDONIA, RUA JAMARY 1555, RUA
JAMARY 1555 OLARIA – 76801-917 – PORTO VELHO – RONDÔNIA
ADVOGADO DO AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA

POLO PASSIVO
RÉU: ESTADO DE RONDÔNIA, AVENIDA FARQUAR 2986, – DE 2882 A 3056 – LADO PAR
PEDRINHAS – 76801-470 – PORTO VELHO – RONDÔNIA
ADVOGADO DO RÉU: PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DE RONDÔNIA

DECISÃO
Vistos,
Recebido no PLANTÃO JUDICIÁRIO EM 4.4.2020(sábado).

Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta pelo Ministério Público do Estado de Rondônia em face do Estado de Rondônia e o Governador Marcos José Rocha dos Santos buscando, em sede de tutela provisória de urgência, decisão que determine a não modificação do Decreto Estadual n. 24.887/2020 alterado pelo Decreto n. 24.891/2020, de modo a serem mantidas as regras de isolamento social preconizadas pela OMS e pelo Ministério da Saúde até que o Estado de Rondônia e seus Municípios disponham de KITS para exames massificados de detecção da COVID-19, equipamentos de proteção individual – EPIs para equipes de atendimento à população (médicos, enfermeiros, bombeiros, policiais, dentre outros) e estruturação e coordenação das redes de saúde de baixa, média e alta complexidade, comprovando-se nos autos, oportunidade em que deverão ser previamente ouvidas as recomendações das Autoridades Sanitárias.

Na data de 30.3.2020 foi proferida decisão (ID 36628747) pela Juízo titular da 1ª Vara da Fazenda Pública no sentido de conceder a tutela de urgência para determinar que o Estado de Rondônia se abstenha de flexibilizar, por ora, as medidas de restrição e isolamento social estabelecidas pelo Decreto Estadual n. 24.887/2020, alterado pelo Decreto n. 24.891/2020, até que o Estado de Rondônia e seus Municípios disponham de KITS para exames de detecção da COVID-19, equipamentos de proteção individual e estruturação e coordenação das redes de saúde (de baixa, média e alta complexidade), possibilitando atingir o melhor cenário para enfrentamento da pandemia.

Realizados expedientes de comunicação e intimação, o Estado de Rondônia juntou aos autos extensa documentação e prestou esclarecimentos acerca das medidas tomadas para o enfrentamento da pandemia do COVID-19.

Na data de hoje (4.4.2020), às 15h26min, o Ministério Público apresentou nova petição (ID 36910690) e requereu a prorrogação, por mais 15 (quinze) dias, do prazo do Decreto Estadual n. 24.887/2020, alterado pelo Decreto n. 24.891/2020, possibilitando a aplicação das medidas previstas nos seus artigos 3º e 4º. Esclareceu que o Estado se furta a prorrogar as medidas restritivas e proibitivas por pressão do comércio e alinhamento ideológico com o Presidente da República e sinalizou que flexibilizará as restrições e proibições. Que a expiração da validade das medidas de restrição e isolamento social previstas no Decreto Estadual n. 24.887/2020 estabelecerá um vácuo legislativo, autorizando, por consequência, o retorno regular do funcionamento do comércio (serviços não essenciais), eventos e reuniões, entre outros, com o que a população ficará completamente desprotegida em face da pandemia do coronavírus, em contrariedade às recomendações das autoridades sanitárias. Sustentou que o silêncio do Poder Executivo tornará sem efeito a decisão que concedeu a tutela de urgência. Trouxe a informação de que há falta de kits para realização dos testes e que os municípios não possuem equipamentos de proteção individual – EPIs em quantidade suficiente, seja para os profissionais de saúde e outros que estão na linha de frente, como bombeiros, policiais e agentes penitenciários. Argumentou também que o Estado não demonstrou o cumprimento da decisão de tutela de urgência e que para escapar dos efeitos da decisão, deixará expirar a validade das medidas em vigor. Requereu seja determinado ao Estado de Rondônia, por meio do Governador, a prorrogação do prazo por igual período de 15 (quinze) dias, do Decreto Estadual nº 24.887/2020, alterado pelo Decreto nº 24.891/2020, a fim de manter válidos os efeitos da decisão que concedeu a tutela de urgência em caráter antecedente.

Vieram-me os autos conclusos. DECIDO.

Em primeiro lugar, deixo claro que o juízo feito em plantão forense é perfunctório, superficial,apto a corrigir ilegalidades ou abusos de poder que sejam flagrantes e que possam, caso não corrigidos, causar graves danos a pessoas ou seu patrimônio.

No caso concreto, verifica-se a existência de um processo já em andamento, que teve o seu pedido de antecipação de tutela deferido pelo juízo natural, após análise mais apurada, impossível de ser feita neste juízo de urgência urgentíssima.

A tutela provisória deferida pela magistrada Titular foi cumprida e tem validade plena durante o prazo de validade do Decreto já expedido. Registro que passada 1 hora e meia do protocolo da petição que agora analiso, já houve  contato telefônico buscando informações sobre o resultado desta decisão.

A questão não é simples e não se pode formar convicção mais profunda ou mais ampla em duas ou três horas.

Em análise dos autos, na medida do possível para este momento, entendo não ser possível a prorrogação do Decreto Estadual nº 24.887/2020, alterado pelo Decreto nº 24.891/2020, por meio de decisão judicial.

Inicialmente, cumpre destacar ser competência privativa do Governador do Estado a expedição de Decretos para dar fiel execução às leis (art. 65, inciso V, da Constituição Estadual). Isso foi feito na hipótese dos autos em razão da pandemia do COVID-19, visando declarar situação de calamidade pública ou situação de emergência, bem como para elaboração de planos de contingência de proteção e divulgação de protocolos de prevenção e alerta e de ações emergenciais (art. 7º, VII e VIII da Lei Federal nº 12.608/2012).

Segundo o caput do art. 3º do Decreto nº 24.887/2020, alterado pelo Decreto nº 24.891/2020, o prazo de duração foi estabelecido para 15 (quinze) dias, a contar da publicação, encerrando-se à meia noite de hoje (4.4.2020).

A norma jurídica expedida pelo Governador do Estado, dentro dos atos de sua competência exclusiva, teve data certa para acabar, de maneira que não cabe ao Poder Judiciário entrar nas atribuições privativas do Poder Executivo para o fim de substituí-lo, ampliando o seu prazo de validade, sob pena de violação à Separação de Poderes (art. 60, §4º, III, CF/88).

Destaco que a tutela de urgência deferida tratou de cumprir um decreto que já estava valendo, já tendo sido proferida a manifestação de vontade do Governador do Estado, não tendo o juízo substituído essa vontade, mas reforçado a necessidade de cumpri-la.

O prazo de validade do Decreto nº 24.887/2020, alterado pelo Decreto nº 24.891/2020 se encerra hoje (4.4.2020) e entender por sua prorrogação seria editá-lo novamente, em substituição ao Poder Executivo e em manifesta contrariedade à competência material – poder regulamentar – estabelecida pela Constituição do Estado. Não gostaria de usar a palavra usurpação, mas entendo que atender ao pedido do Ministério Público na petição hoje protocolada teria o mesmo efeito, pois um representante de um Poder do Estado estaria se substituindo a outro, violando claramente a Constituição do Estado no ponto acima já referido.

Conforme iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal “[…] o sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da soberania nacional” (MS 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, j. 16.09.1999, Plenário, DJ de 12.05.2000.)

No mesmo sentido, a doutrina: “seu objetivo fundamental é preservar a liberdade individual, combatendo a concentração de poder, isto é, a tendência ‘absolutista’ de exercício do poder político pela mesma pessoa ou grupo de pessoas. A distribuição do poder entre órgãos estatais dotados de independência é tida pelos partidários do liberalismo político como garantia de equilíbrio político que evita ou, pelo menos, minimiza os riscos de abuso de poder. O Estado que estabelece a separação dos poderes evita o despotismo e assume feições liberais. Do ponto de vista teórico, isso significa que na base da separação dos poderes encontra-se a tese da existência de nexo causal entre a divisão do poder e a liberdade individual” (Dimitri Dimoulis, Significado e atualidade da separação de poderes, p. 45-146).

Com efeito, sendo a Separação dos Poderes preceito tão caro e fundamental para o Estado
Democrático de Direito, a intervenção do Judiciário somente pode ocorrer em hipóteses excepcionais e nos exatos limites do texto constitucional (AI 708.667 AgR, Relator(a): Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 28/2/2012), em especial, quando há necessidade de efetivar direitos fundamentais, notadamente quando se busca tutela do direito à saúde e vida.

Apesar de se verificar situação que, em tese, estaria amparada na busca de tutela do direito à saúde e à vida, não vislumbro a prorrogação do Decreto nº 24.887/2020, alterado pelo Decreto nº 24.891/2020 inserida nesse contexto, pois não é matéria simples que possa ser analisada e resolvida pelo magistrado de plantão em poucas horas, sem o auxílio de profissionais amplamente capacitados ou mesmo sem os dados necessários para apurar a efetiva necessidade das medidas requeridas pelo MP.

Como se observa do pedido inicial na presente Ação Civil Pública, o órgão do Ministério Pública
visa compelir o Estado de Rondônia a não flexibilizar as medidas proibitivas e restritivas estabelecidas no Decreto nº 24.887/2020, alterado pelo Decreto nº 24.891/2020, pretensão essa que foi objeto da decisão concessiva de tutela de urgência (ID 36628747). Como destacado pelo Juízo que a proferiu, a decisão está fundamentada a partir dos elementos extraídos de noticiários, relatórios de organizações nacionais e internacionais de saúde e políticas públicas adotadas por outros entes federativos, cujos conteúdos demonstram a necessidade de ampliação imediata de leitos de UTI para suprir demanda de pacientes eventualmente contaminados.

Em petição de ID 36823442, o Estado de Rondônia prestou informações e esclareceu que estão sendo adotadas diversas medidas no combate ao COVID-19, em especial, ampliação de leitos de UTI para suprir eventual demanda, aquisição de kits para realização de exames e EPIs. Na oportunidade, juntou cópias de ofícios, comunicações, pedidos e providências.

Logo, é possível inferir que a realidade fática enfrentada quando de concessão da liminar pelo Juízo natural não é mais a mesma.

Além disso, o órgão do Ministério Público parte do pressuposto de que havia ampla flexibilização das medidas proibitivas e restritivas, quando, no entanto, o Estado de Rondônia informou que o planejamento estatal é no sentido de liberar apenas alguns setores (cartórios, escritórios de advocacia e clínicas de odontologia), não se descurando da preocupação com a saúde do povo rondoniense.

Por fim, destaco que o Estado de Rondônia apresentou petição no ID 36939066 com o pedido de suspensão de liminar. No entanto, deixo de apreciá-la pois se trata de instrumento destinado ao Presidente do Tribunal de Justiça (art. 4º, caput, da lei 8.437/92) e que deverá ser apresentado ao Tribunal de Justiça diretamente:

ISTO POSTO, INDEFIRO o pedido de prorrogação do Decreto nº 24.887/2020, alterado pelo Decreto nº 24.891/2020, editado pelo chefe do Poder Executivo do Estado de Rondônia.

Intime-se o Ministério Público, bem como o Estado de Rondônia com urgência.

DOCUMENTO ASSINADO FISICAMENTE PORQUE O ASSINADOR DO SISTEMA NÃO FUNCIONOU ADEQUADAMENTE.

Porto Velho, 4 de abril de 2020, às 19:30 horas. Assinatura às 21:25 horas.

JORGE LUIZ DOS SANTOS LEAL
JUIZ DE DIREITO PLANTONISTA

 






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